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Para Bernardo

 Cabo de Santo Agostinho, 18 de janeiro de 2021. Querido eu mesmo, espero que essa carta o encontre bem, em paz.  Sei que não é simples. Não, tendo que se despedir amanhã da sua filha de quase 10 anos, obrigado a comemorar com ela seus 10 anos mais de um mês antes de seu aniversário por causa dessa confusão de COVID, mesmo tendo comprado passagem pra voltar pra casa depois do aniversário dela. Triste estar aqui no Brasil e não voltar a vê-la mesmo tendo planejado tudo para que isso acontecesse.  Pena não ter podido ficar mais com ela. A matemática da guarda compartilhada certamente não corrobora com 15 dias versus 350 dias. Sem falar nos 15 dias sem direito a estar sozinho com ela, como manda a relação pai e filha. Um dia isso será colocado em uma mesa. E as fatias serão proporcionais. Mas a vida não é assim. Não é justa, não é fácil, é cruel. Ainda assim, vale a pena.  Um sorriso vale a pena. Um olhar, tantas vezes em 15 dias ter ouvido a espontaneidade dos "eu te amo", como

Para Nestor

Porto, 04 de dezembro de 2019. Querido pai, espero que esta carta o encontre bem, tranquilo e em paz. Sei que é difícil. Sua irreverência e inquietude filosófica tendem sempre ao desequilíbrio, tanto na parte maravilhosa quanto na parte complexa que existe nessa palavra. É justamente por causa do desequilíbrio que nos movemos. A cada passo, nos desequilibramos para colocarmos o apoio do pêndulo na frente e fazermos avançar. Mas sobre isso devo tratar com mais cuidado. Não em uma carta curta, num respiro desequilibrado da minha sã loucura. Aprendi nos seus desequilíbrios a audácia do Manoel. Escrevo porque está quase na hora. Vou ser pai novamente e, ato contínuo, avalio-me como pai, olho no espelho de nossa relação, vejo a parede pintada do tempo, que retrata flores azuis com miolos amarelos em Alcobaça, instrumentos musicais no canto que ficava o piano, os veios da madeira da Matinha, os musgos da Almerinda. Há paredes onde nem imaginamos. Conseguiremos transpô-las? Hoje, a l

Para Vô Marú

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Porto, 01 de setembro de 2019. Querido Vô Marú, espero que essa carta o encontre. Sei que está bem e em paz. Não me lembro o ano que você fez a passagem. Sei que eu era muito pequeno ainda. Mesmo assim, há marcas suas, indeléveis, no meu jeito, na minha memória, nas lembranças familiares, no meu pai, na minha irmã, o Vô Marú que continua a caminhar comigo.  Com muito pouca idade, minha filha me ensinou que o lugar mais perto que existe é dentro. E isso fez toda a diferença. Em mim, trago nosso jeito boêmio, o trejeito de colocar um paninho para comer e bebericar um tira-gosto, o gosto por um sabonete novinho, o sem-jeito de ver a vida de outra forma, senão pelo lado poético. Não sei se gostaria dos meus poemas. Você se foi antes das minhas primeiras incursões neste tema e sei que não gostava de Drummond. As pedras do caminho dele seguiam a ordem de outro tempo, não o do seu.  Curioso isso, escrevo justamente para falar sobre o Tempo. Sabe, Vô, não sinto falta do que

Para Maria

Porto, 8 de agosto de 2019. Maria, caçula amada. Espero que essa carta a encontre bem e em paz. Não imagino quanto tempo vai demorar até que ela faça algum sentido para você, visto que está hoje com 21 semanas na barriga de sua mãe. Acabamos de voltar do ultrassom e descobrimos, finalmente, que você é você. Engraçado, você já diz muito, sem dizer. Note que uso o "engraçado" na frase anterior no sentido do português de Portugal: "cheio de graça", no sentido da graciosidade, da beleza ímpar. Mesmo você sendo par. Sabe, filha, durante muito tempo só comecei essa frase quando conversava com Beatriz, sua irmã mais velha, quem me disse hoje "fiquei mais do que feliz", quando ficou sabendo que você era uma menininha. Ela também sugeriu seu nome. E saindo do ultrassom, sua mãe, Ana, e eu, percebemos que era Maria o seu nome. Filha da Ana, filha de Sant'Anna. Simples e forte, você. Tenho colocado músicas para você ouvir na barriga de sua mãe. Fi

Para Sua Santidade, Papa Francisco

Sua Santità, il Papa Francesco. Mi chiamo Bernardo Moura di Sant'Anna, ho 46 anni, sono Peregrino, padre di Beatriz e di un bambino di 5 mesi nel ventre di sua madre. Nel 2009 ho percorso il Cammino Francese di Santiago di Compostela: 830 km. Nel 2013 ho lasciato il Vaticano (con il documento conferito dalla Curia), dopo una Sua benedizione collettiva in Piazza San Pietro Apostolo, poco dopo la Sua inaugurazione, e ho unito la Via di San Francesco d'Assisi con la Via di San Giacomo. Ho attraversato l'Italia, la Francia e la Spagna e ho percorso 2.500 km. Nel 2017, anno giubilare di Nostra Signora di Fatima, ho lasciato Fatima e sono andato a Compostela: 525 km. In allegato, tutte le prove dei miei pellegrinaggi. Quest'anno ho intenzione di fare 1.400 km sul pellegrinaggio di Shikoku in Giappone, passando per gli 88 templi sacri del buddismo Shingon (che significa "la vera parola"). Inizierò a camminare il 21 settembre e credo che arriverò

Para Beatriz

Porto, 12 de julho de 2019. Beatriz, Filha amada. Espero que essa carta a encontre bem, feliz, em paz. Não sei daqui a quantos anos. Mas espero que quando você venha a ler, tenha a grandeza de compreender minhas palavras, no que elas pretendem traduzir. Por isso vim fazer um doutorado no Porto. Porque somente o curso de Comunicação Social e o mestrado em Tradução não foram suficientes para que eu me fizesse entender. E olha que o que pretendo de você é a compreensão, muito, muito mais que o entendimento. Sabe, Filha, sou exigente com quem amo. E isso já me fez muito mal. No seu caso, é por ter certeza de sua capacidade. Inteligente, esperta, audaz. Criativa, alegre, introspectiva. Você tem as chaves das portas que acessam lá fora e aqui dentro. Seu Pai só conquistou as chaves de dentro, até hoje. Enquanto escrevo essa carta para você, escuto Eric Clapton tocar e cantar Over the Rainbow. É uma maravilha, minha Filha. Sei que vai curtir. Vivo, Filha. Estou vivo. E quero perma

Para Shūdō-shi sama

Porto, 24 de junho de 2019. Honorável Takeda san, espero que esta carta o encontre bem, feliz e em paz. É a primeira vez que escrevo para o outro lado do planeta. Será que existe isso? Tenho dificuldades em escrever esta carta. Primeiramente, porque não sabia como começar. "Caro" é um significante que não traduz devidamente um monge. Porque essa palavra se liga, em minha língua, ao preço. Quero ligá-lo somente ao apreço.  Escrevo para agradecê-lo, escrevo para agradecer-lhe pelas orientações que me tem dado. São como setas amarelas em meu Caminho. Setas amarelas, se o senhor não sabe, são as indicações que os peregrinos encontram no Caminho de Santiago para seguir seu destino de chegar ao túmulo do apóstolo no Campo das Estrelas - em Compostela. Hoje, há uma grande parte de peregrinos que não são mais tocados pela força das setas amarelas. Se encontram nos Guias Michelin, no Google, no Trip Advisor, no Facebook, no Instagram ou no Whatsapp. Muitos, turistas qu